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No incêndio florestal em Ponte da Barca as chamas voltaram a ceifar a vida a centenas de animais, que nem contabilizados estão ainda. Os mais de 400 operacionais envolvidos no combate ao fogo não conseguiram evitar a suas lamentáveis mortes. Em Arouca e Santarém o cenário repete-se: as pessoas têm sido obrigadas a abandonar os seus animais, acabando a maioria deles por morrerem queimados vivos.
A responsabilidade está longe de ser dos operacionais, vem de quem está sentado em gabinetes e não de quem corre para combater os incêndios. É já bem extenso o histórico de acontecimentos que envolvem animais em situações de catástrofe, mostrando-se o Estado, recorrentemente, incapaz no que diz respeito à prevenção contra incêndios e demonstrando, igualmente, descoordenação na capacidade de resposta em situação de auxílio e de salvamento, pelas entidades competentes. É bem extenso e trágico.
Os incêndios que têm assolado as florestas portugueses na última década mataram centenas de milhares de animais que foram queimados vivos, só em Pedrogão, em 2017, estimam-se que tenha ascendido a meio milhão. Este é um exemplo entre muitos outros desde 2015, isto para não irmos mais para trás. Uma situação calamitosa, com implicações várias, desde económicas, sociais e ambientais.
Em Portugal é através do Plano Nacional de Emergência de Proteção Civil que a Proteção Civil estabelece a estrutura e os procedimentos para a resposta a emergências de grande escala. Através da coordenação de recursos e de ações, o plano objetiva minimizar as perdas humanas, materiais e ambientais. No entanto, a sua abordagem ao socorro de animais de apresenta várias limitações e grandes desafios. Existe uma referência específica ao socorro de animais, uma vez que o documento o descreve na organização da Proteção Civil e nos mecanismos de resposta a emergências, mas não é detalhada a especificidade do resgate, nem de assistência a animais de companhia (ou de pecuária, ou outros), em situações de acidente, acidente grave ou catástrofe. Esta ausência é indicadora de uma mentalidade tristemente vigente: o que não é humano não gera preocupação suficiente dos decisores políticos, nem das chefias executivas por estes nomeadas.
Não sendo este o espaço para detalhar questões técnicas, é importante perceber que dos 308 municípios, 193 identificam nos seus Planos Municipais de Emergência de Proteção Civil a necessidade de medidas para socorrer animais. Contudo, existem apenas referências nas fases de emergência e de reabilitação, o que excluí qualquer contemplação de medidas para a fase de prevenção. Também quando analisados os Planos Especiais e os Planos Estratégicos Municipais de Adaptação às Alterações Climáticas, não existem medidas de inclusão dos animais nas respostas às catástrofes.
Um dos principais desafios enfrentados no socorro a animais é a falta de protocolos, de recursos e de equipamentos especializados em algumas regiões do país, o que dificulta a atuação rápida e eficaz em ações de resgate aos animais. Isto apesar de a 10 de março deste ano o Conselho de Ministros tenha aprovado um Decreto-Lei que transferiu novamente as atribuições relativas à promoção do bem-estar dos animais de companhia para a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), aditando também novas competências na definição de estratégias adequadas à proteção de animais de companhia em situações de acidentes graves e catástrofe.
No âmbito dos procedimentos de resgate e de salvamento de animais é crucial uma atuação coordenada entre entidades e organizações especializadas, incluindo a DGAV, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, as corporações de bombeiros, municípios, veterinários e associações. A insuficiência de uma resposta eficaz nestes casos ressalta a importância de integrar equipas especializadas em resgate animal.
A prevenção e preparação para fazer face a estes eventos, incluindo os devastadores incêndios que todos os anos assolam o país, exigem, não só por razões de saúde pública, como por razões éticas e de dignidade da vida animal, a criação de uma Diretiva Nacional de Socorro e Resgate Animal. Uma resposta que aborde de forma ampla as ações, recursos e políticas necessárias para melhorar o socorro e a proteção animal em situações de acidente, acidente grave e catástrofe.
O estatuto moral dos animais, a sua proteção jurídica e a nossa responsabilidade para com eles devem ser o motor para uma profunda reflexão sobre a contextualização do tema do socorro a animais em situações de acidente, em Portugal. Como uma nação em linha com o avanço civilizacional, é preciso compreender que a relevância deste tema é essencial para desenvolver políticas e práticas eficazes de apoio aos animais em cenários de catástrofe, porque não podem continuar a morrer animais em Portugal, vítimas dos incêndios florestais.
E antes que se levantem vozes a acusar que se está a defender salvar animais em vez de pessoas e bens, a ideia é muito diferente de uma interpretação dessa natureza: o que se defende é que o salvamento de pessoas e bens TAMBÉM inclua animais. Afinal pertencemos todos ao mesmo grande ecossistema, ou não?

Ainda não tinham arrefecido as carcaças de mais de 350 porcos que arderam vivos no incêndio de Alcanede, Santarém, agora extinto, o Presidente da República promulgava uma lei em contraciclo com a já débeis e reduzidas medidas de prevenção de proteção dos animais: um Decreto-Lei que elimina a obrigatoriedade de instalação dos SADI (Sistemas Automáticos de Deteção de Incêndio) em explorações pecuárias.
A alegada justificação para a existência deste DL e a consequente promulgação por Marcelo Rebelo de Sousa ainda acentua mais o contraciclo com um país que se vê a arder dia após dia: a obrigatoriedade agora retirada revelava-se inadequada, atendendo às dificuldades de implementação da obrigação junto dos produtores, quer no plano logístico, quer pelos avultados custos financeiros.
Representando esta medida menos encargos para os produtores pecuários, até pode parecer bem-vinda, já que se procura dar resposta ao desenvolvimento económico nacional. No entanto, a que custo? Os prejuízos dos criadores a quem pertenciam os mais de 350 animais que morreram no incêndio de Alcanede serão menores do que a instalação dos SAID? A morte destes animais num atroz sofrimento justifica qualquer tipo de desenvolvimento económico? Perguntas retóricas cujas respostas se torna desnecessário obviar.
As questões relacionadas com a exploração animal na indústria alimentar levantam debates éticos e jurídicos que teimamos não realizar. Ou porque não reúnem sensibilidade suficiente nos fóruns governativos, ou porque são de tal forma sensíveis para o eleitorado que é difícil alguém querer trazer para cima da mesa esta nitroglicerina política.
No que toca ao procedimento durante uma catástrofe e das medidas de autoproteção dos animais para a indústria alimentar, a Lei de Bases da Proteção Civil (Lei nº 27/2006, de 3 de Julho) refere que um dos objetivos fundamentais da Proteção Civil é “socorrer e assistir as pessoas e outros seres vivos em perigo”, bem como “proteger bens e valores ambientais”. Com a promulgação deste DL a responsabilidade recai toda sobre a Proteção Civil, uma vez que deixou de ser obrigatório a montante qualquer prevenção por parte dos produtores.
Os desafios relacionados com a defesa dos direitos animais tornam evidente a complexidade do tema e a diversidade de opiniões num debate. São questões que levantam a imperatividade de uma análise cuidadosa, ponderada e a consideração de múltiplos pontos de vista. A ideia deve ser criar pontes sólidas para encontrar soluções equilibradas e eficazes que resultem em medidas de preparação e prevenção para o socorro animal. Os avanços nesta matéria dificilmente se conseguirão sem a responsabilidade e a ética de todos os intervenientes.
É cada vez mais perigoso não estabelecer linhas vermelhas em nome de uma Economia com fórmulas criadas em séculos passados e não com visão para as gerações futuras. Estabelecer limites e, ao mesmo tempo, repensar a abordagem, se não vejamos: Que tipo de decisões podem ignorar, por exemplo, que o mercado nacional de alimentação para animais de companhia gerou no ano passado 90,2 milhões de euros, um crescimento de cerca de 11% face a 2023? Basta ler o relatório da Sell Out Pet Food GS1 Portugal, divulgado há dias, para se perceber que o crescimento neste setor não abranda.
Dados como os do relatório citado – que são um exemplo do reforço da consciência social para a convivência equilibrada entre humanos e animais – clarificam a necessidade de encarar o desenvolvimento económico como o desafio que representa no que toca ao bem-estar animal. Ao agirmos em contraciclo arriscamo-nos a que os mais de 350 suínos queimados vivos no incêndio de Alcanede tenham a forte probabilidade de subir para 3500 no próximo ano – e outro tanto com as restantes espécies destinadas a produção alimentar. Se isto é proteger seja a Economia, seja os produtores, seja os animais, seja o que for, então o melhor será mesmo não termos receio de lhe chamar políticas consecutivas de terra queimada.

Este ano celebramos três décadas de uma das mais relevantes conquistas legislativas nacionais para a proteção animal: a consagração da lei que abriu caminho para uma reflexão profunda sobre o lugar dos animais na nossa sociedade.
Com este Decreto-Lei – publicado a 12 de setembro de 1995 – foi finalmente aberto o caminho para a consolidação da ideia que continuar a encarar os animais de ânimo leve seria ignorar uma parte essencial da vida, da cultura e, sobretudo, da esfera da ética e da moral: estávamos perante o que foi considerado como um avanço civilizacional.
É por isso que recordar este marco está longe de ser apenas uma celebração jurídica, mas também de um momento de balanço. Saber o que conquistámos, onde falhámos e quais os desafios futuros. É que a proteção dos animais ultrapassa o mero formalismo legal e exige práticas concretas, mudança de paradigmas e a inclusão efetiva da vida animal em todos os contextos da sociedade atual.
Até à década de 1990, os animais eram legalmente tratados como meros bens móveis. Eram “posses”, sem direitos próprios, sem reconhecimento da sua dignidade ou da sua capacidade de sofrer. O avanço da Ciência revelou, de forma inequívoca, a senciência animal. A sua capacidade de sentir a dor, o medo, o prazer e até os vínculos afetivos complexos que estabelece com o ser humano.
O caminho ainda é longo, mas os marcos conquistados nestas três décadas mostram que estamos no rumo certo. O verdadeiro desafio é transformar a letra da lei em práticas quotidianas, garantindo que nenhum ser vivo é esquecido. Talvez porque essa evolução tem sido mais reativa do que proativa: a pressão social, os desastres ambientais e os movimentos de defesa animal têm obrigado o Estado a ampliar a legislação. No entanto, a lei ainda os coloca num patamar secundário, face à vida humana.
Se os 30 anos do início desta mudança servem para celebrar, devem também servir para criticar construtivamente e para abrir caminho, mais uma vez, a propor caminhos alternativos, evolutivos. Por exemplo, as famílias que se recusam a abandonar as suas casas em cenários de catástrofe ou de conflito, por não terem como resgatar os seus animais ou os milhares de animais vítimas dos incêndios florestais, são exemplos claros desta interligação, ampliando a missão da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, que hoje é chamada a integrar os animais em todos os níveis de planeamento: prevenção, preparação, resposta e recuperação. Simultaneamente, desafiam a classe política a tomar mais medidas, que possam dar origem a financiamentos, protocolos, formações específicas e redes de apoio multissetorial.
Neste caso concreto, dos cenários de catástrofe, um dos principais entraves à proteção animal é o argumento económico. Evacuar, abrigar e alimentar milhares de animais durante uma emergência implica custos elevados. Muitos decisores políticos optam por priorizar recursos exclusivamente para humanos, relegando os animais para segundo plano – mas os humanos que partilham a vida com esses animais são precisamente quem não aceita esse e outros argumentos.
Esta visão de curto prazo ignora impactos económicos mais amplos, para citar apenas alguns: a morte em massa de animais de produção afeta as cadeias alimentares e as comunidades locais; a perda de animais de companhia tem impactos psicológicos significativos nas famílias; a destruição da fauna silvestre compromete ecossistemas inteiros.
A crítica central é que, apesar dos avanços legislativos, Portugal ainda não consolidou uma visão ética robusta. A proteção animal continua muitas vezes a ser vista como luxo ou uma excentricidade, quando deveria ser um pilar da proteção civil e da convivência justa entre todas as espécies.
O futuro exigirá coragem política, investimento e, sobretudo, uma mudança cultural que reconheça os animais não como “bens” ou “recursos”, mas como companheiros de destino, no planeta que partilhamos e do qual todos somos parte indispensável.
Recomendações da Provedoria Municipal dos Animais de Lisboa
No âmbito das Competências previstas no Regulamento Interno de Designação, Organização e Funcionamento do Provedor Municipal dos Animais de Lisboa compete ao mesmo emitir pareceres e recomendações no âmbito da sua missão.
Recomendações
Recomendação de dez-2024
Recomendação emitida por iniciativa própria ao abrigo do art.º 1. e da alínea c) do art.º 8 do Regulamento Interno de Designação, Organização e Funcionamento do Provedor Municipal dos Animais de Lisboa.
Recomendação de set-2004
Recomendação emitida por iniciativa própria ao abrigo do art.º 1 e da alínea c) do art.º 8 do Regulamento Interno de Designação, Organização e Funcionamento do Provedor Municipal dos Animais de Lisboa.
Recomendação de jun-2004
Proposta para a realização de uma Medida Integrada de Sensibilização através de uma campanha no âmbito da instrumentalização de animais na mendicidade.
Recomendação de fev-2023
Audições realizadas às Juntas de Freguesias, do concelho de Lisboa e às Associações com missão no âmbito da proteção e bem-estar animal.
Recomendação de fev-2023
Realização de um projeto que aprova a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, da qual foram signatários os Estados-Membros da Conselho da Europa.
Recomendação de fev-2024
Medidas de socorro em situações onde um animal se encontra em perigo de vida iminente ou no enquadramento de abandono na via pública.
Recomendação de abr-2023
Realização de uma medida integrada de socorro, através de ações de sensibilização, fiscalização e policiamento de comunidade e de proteção civil.
Recomendação de mai-2023
Visa a proposta de uma Medida Integrada de Proteção e de Socorro Animal.
Recomendação de jun-2023
Suspensão das touradas durante a visita de Sua Santidade o Papa Francisco.
Recomendação de ago-2023
Ponte ciclopedonal sobre o rio Trancão
Recomendação de set-2023
Proposta para a realização de uma Medida integrada de Apoio Social, “Fundo de Emergência Multiespécies para resposta às famílias e pessoas em vulnerabilidade social, com animais de companhia à sua guarda”.
Recomendação de out-2023
Aceitação da doação de abrigos pela Pétis, Unipessoal Lda.
Recomendação de nov-2023
Criação da EPADAC — Equipa de Prevenção do Abandono e Desistência de Animais de
Companhia, da Casa dos Animais de Lisboa.
Recomendação de dez-2022
Bovino abatido pela Policia de Seguranca Publica na via puiblica.